terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A escrita é língua em estado líquido que pelas páginas, superlativa e poderosamente exibe o sexo indistinto, mas que sente e pensa inquieto como o da gente. Quando pressente o olho assente, amadurece e encurva a leitura para nos foder desalmadamente.


Luísa Demétrio Raposo

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Dizem-me que o que escrevo é intenso, tumultuoso. Se eu conseguisse transcrever por palavras esta coisa que se transforma em escrita, saberiam verdadeiramente o que é uma tempestade.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

in O Livro da Sombra

A morte de escrita é interminável, atmosfera submersa, o lugar onde jaz o corpo e não onde adormece a lápide e as flores ressurgem atentas por cima. Não. Morte é celebração onde o plural é deus e ressuscita aterrado em lava, no assombrar profundo do sexo, a floresta.
A vida escrita, local de aparições e do desaguar onde morrem ingénuos os mitos na esfera, montanha atrás de montanha entre as degelas sobrenaturais, a curta-metragem.
A criação pertence ao morto.
Só, o barulho
e a multidão e as horas ressoam o terror do tempo e é isso que me reduz ao nada.

Luísa Demétrio Raposo

** o livro das sombras

Preciso rever a minha inutilidade no mundo, já que a língua onde escrevo diluiu-me os bocados até à raiz e ao anonimato. É normal, a orfandade não tem lugar nem pátria. Escrever esmaga tudo em função do obsessivo e do insuportável. O fogo, lentamente executa tudo à nossa volta. Resta-nos um corpo à deriva e um forte delírio imerso na sua própria solidão.


Luísa Demétrio Raposo

*in O Livro da Papoila

O sexo é onde se desmoronam os astros e as estrelas sangram de entre a escuridão. É berço do fogo e todas as outras coisas instáveis e secretas.


Luísa Demétrio Raposo

II______________O Livro das Sombras___________________/

Escrevo para poder desaparecer no raiado do negro e líquido da tinta. Escrevo porque me é insuportável a multidão e todas as coisas sem alma e que se assomam de forma extenuante. Escrevo porque as leis do homem não são as do ser, são um cativeiro e a mulher que existe dentro de mim não é domesticável. Eu não pertenço. O verbo pertencer é um animal carnívoro e eu não. Sou comparável ao sangue indomável que percorre selvagem e fermenta as veias e os veios em absoluta liberdade, na mais profunda solidão, na forma mais insuportável de ser, não porque eu o deseje mas porque assim é a germinação e a minha natureza.


Luísa Demétrio Raposo

in O Livro das Sombras

Estou só.
Entre a cortina dos dias e a fábula das horas e das casas, dos campos e dos astros, e eu de mãos ocupadas sinto-me cansada, sinto-me exausta. A respiração ferve na cabeça submersa. O sangue adulto ao largo da gramática. A meio da frase a boca em digestão e sobre a mesa onde escrever de forma violenta consome até à extinção.
Os textos são um veneno, maldade, porque tudo o que se escreve não passa de um deitar fora, e tudo o que se lê são restos de pancadas. Não po
ssuem um único rosto, tão só e apenas a língua solta e que de forma impune em torno dos dedos levando-os ao abismo, a universos dissolvidos que em soberania invadem entre a necrologia ameaçadora da língua em contínua erosão.



Luísa Demétrio Raposo
* O Livro das Sombras